O veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à desoneração da folha de pagamento gerou reação imediata no Congresso, e parlamentares das duas Casas se uniram para tentar reverter a decisão do chefe do Executivo ainda nesta semana. O tema pode entrar em discussão na sessão desta terça-feira (28). Entidades representativas dos setores desonerados pressionam para que o veto caia e avaliam que 1 milhão de empregos estarão sob risco após o fim da validade da medida.
Na visão do vice-presidente da Câmara, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), a tendência é que o veto seja derrubado. “O projeto de desoneração da folha é crucial para esses 17 setores. […] Não é o melhor modelo, mas é o que foi possível, e isso trouxe um debate muito intenso no Congresso. Meu sentimento é que o Congresso tende a derrubar esse veto do presidente Lula”, afirmou.
Ao comentar o veto total ao projeto, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também defendeu a desoneração. Para Pacheco, o projeto é positivo para o país e a indefinição sobre a prorrogação da medida pode gerar “instabilidade e insegurança jurídica” para os setores produtivos.
Essa também é a visão da maioria dos parlamentares. Eles esperavam que ao menos o mérito principal do projeto fosse sancionado por Lula. A proposta passou pelo Congresso com ampla aprovação de deputados e senadores. Na Câmara, o texto passou com 430 votos a favor e 17 contra.
No Senado, a votação foi simbólica — quando os senadores não registram o voto nominalmente. Isso é mais do que suficiente para superar o veto, o que requer o respaldo da maioria absoluta dos legisladores, ou seja, pelo menos 257 votos de deputados e 41 de senadores.
A decisão do governo federal pegou de surpresa até o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Na visão de Lira, segundo fontes próximas a ele, Lula vetaria apenas o trecho que favorecia pequenos municípios com a diminuição da contribuição previdenciária. A medida não estava prevista no projeto de lei original e entrou no texto durante a discussão na Câmara dos Deputados.
Para os articuladores da medida nas duas Casas, o veto de Lula foi lido como uma afronta ao parecer do Legislativo. A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora da medida na Câmara, disse que o presidente tomou uma decisão “equivocada”.
“Vai contra tudo o que o presidente falou na campanha eleitoral de geração de emprego, de geração de renda. É injustificável, porque temos estudos que mostram que a renúncia fiscal do governo, no ano passado, por exemplo, seria de R$ 9 bilhões, e o incremento na receita por conta da medida da desoneração, de mais R$ 30 bilhões”, afirmou a deputada.
O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do texto no Senado, também criticou o veto e disse que o Congresso “tem o direito de derrubar” a decisão de Lula. “É o que vamos trabalhar para acontecer, porque são 17 segmentos da economia que geram 9 milhões de empregos, que ficarão prejudicados, bem como 5.000 prefeituras que estão à beira da falência”, comentou.
O senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor do projeto de lei que prorroga a desoneração, avaliou o movimento do Executivo como “equivocado” e “inconsistente”. “Faltou discernimento entre duas prioridades — uma é arrecadar mais, e a outra é preservar empregos e gerar novas oportunidades. Se escolheu a prioridade errada, e isso pode gerar um risco político de um desgaste desnecessário para o governo”, disse.
O cientista político Kleber Carrilho avalia que o governo tem tido dificuldade em se relacionar com o setor produtivo. “O ponto nessa questão foi de comunicação com o setor produtivo. Creio que em alguns momentos o governo tem tido dificuldade de manter um relacionamento mais próximo com alguns públicos, como acontece neste caso”, diz.
“Por outro lado, a queda constante do desemprego [nos números oficiais] também pode abrir uma oportunidade para o governo mexer nessas questões importantes com um impacto menor”, completa.
Segundo o presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), Eduardo Natal, o veto frustra as expectativas do setor produtivo, e o eventual fim da medida impacta diretamente nos custos das empresas. “Sem dúvida alguma, isso deve impactar nos custos dessas empresas, em especial nas empresas com grande volume de mão de obra”, afirma.
“Considerando o veto, a desoneração da folha terminaria agora, em 31 de dezembro. Com isso, os efeitos seriam sentidos imediatamente em janeiro, a partir do momento do recolhimento da primeira contribuição previdenciária em 2024”, completa.
Na mesma linha, a análise do economista Werton Oliveira considera o cálculo de empresas e centrais sindicais, que afirmam que, sem a continuidade da medida, há uma previsão de fechamento de 1 milhão de postos de trabalho e aumento no preço final de serviços e produtos.
“De fato, tanto os empregos estarão ameaçados quanto os custos das empresas vão se elevar. De uma forma ou de outra, toda a economia nacional sofrerá o impacto dessa mudança: as empresas terão que cortar custos para equilibrar as contas, podendo haver redução no número de empregados e aumento no valor dos produtos, que pressionará a inflação”, afirma.
Pela medida, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia de 1% a 4,5%, conforme o setor.
A contribuição é feita, mas passa a se adequar ao nível real da atividade produtiva do empreendimento. Em outras palavras, as empresas que faturam mais contribuem mais. Com isso, é possível contratar mais empregados sem gerar aumento de custos.