A cantora Marília Mendonça morreu em acidente aéreo em Minas Gerais em novembro de 2021 – Foto: DIVULGAÇÃO/CENIPA
O Brasil registrou, em média, um acidente aéreo a cada dois dias nos últimos dez anos, de acordo com os dados do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da FAB (Força Aérea Brasileira). Entre janeiro de 2012 e abril de 2023, foram registrados 1.878 acidentes com helicópteros, aviões, ultraleves, planadores, hidroaviões e trikes.
Durante esse período, 844 pessoas morreram em 441 acidentes aéreos. A perda de controle em voo, a falha do motor e a colisão com obstáculo durante o pouso ou a decolagem foram apontadas como as principais razões das ocorrências fatais, segundo os dados compilados pela plataforma Sipaer (Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) do Cenipa.
Na quarta-feira (3), o piloto Luiz Ricardo Nazarini e o copiloto Heber Carvalho Guilhen morreram após um helicóptero, que tinha como destino a feira Agrishow, cair em São Carlos, no interior de São Paulo.
Para os especialistas ouvidos, apesar de estar em queda nos últimos anos, o número de acidentes aéreos ainda é preocupante e poderia ser evitado. O nível baixo de fiscalização das manutenção e do treinamento dos pilotos, principalmente de voos particulares, e o crescimento da frota de aeronaves conduzem a este cenário.
“O Brasil tem a segunda maior frota de aviões do mundo. É natural que os números sejam elevados em um país onde a infraestrutura e a fiscalização são deficitárias”, afirma o comandante Fernando Pamplona, instrutor de simulador e piloto de linha aérea.
Pamplona também explica que a cobrança na fiscalização dos voos comerciais e de táxis aéreos pelos órgãos reguladores é muito maior em comparação aos particulares, que incluem o transporte agrícola e de instrução. “Os órgãos se concentram na aviação comercial, onde há o transporte de massa. Eles são obrigados a cumprir a legislação internacional, como a Organização Internacional da Aviação Civil, da qual o Brasil é signatário”, reitera.
Os dados da plataforma Sipaer também revelam que, na última década, os voos particulares corresponderam à metade dos acidentes no Brasil, ou seja, 732 ocorrências, das quais 229 terminaram em morte. Enquanto os acidentes durante táxi aéreo representam apenas 6% (118 casos). Em voos agrícolas, foram 324 acidentes; em experimentais, 309; e em de instrução, 219.
Segundo o consultor aeronáutico e especialista em aviação Roberto Peterka, além do menor rigor na manutenção dos equipamentos, os pilotos menos experientes — com menos horas de voo — e a falta de familiaridade com as aeronaves podem explicam o motivo pelo qual os aviões menores e particulares se envolvem em mais acidentes.
“No avião privado, nem sempre é a mesma pessoa que pilota. Normalmente, o dono da aeronave chama diferentes pilotos [para prestar serviço]. O único controle sobre esses pilotos é a inspeção de saúde e a habilitação que é revalidada de ano a ano”, explica Peterka.
Outra diferença assinalada pelo consultor aeronáutico é a presença do copiloto. Geralmente, nos voos particulares, há apenas um piloto na aeronave, enquanto nos comerciais e de táxi aéreo, o serviço é prestado por uma dupla. “A chance de ter um acidente com dois pilotos é menor do que com um só, pois é uma cabeça só pensando [no caso de alguma intercorrência]”.
Entre janeiro de 2012 e abril de 2023, o Brasil registrou 159 acidentes com helicópteros, dos quais 53 foram fatais. Isto é, um em cada três casos terminou em morte.
Os acidentes que envolveram aviões foram mais numerosos e menos fatais. No mesmo período, houve 1.091 ocorrências, sendo 275 fatais, ou seja, um em cada quatro episódios terminou em morte.
O helicóptero tem mais facilidade de se deslocar em áreas fora de aeródromos e aeroportos, por isso alguns pilotos acabam se arriscando nos pousos e nas decolagens, que podem terminar em acidentes fatais, de acordo com Peterka.
O comandante Pamplona também afirma que as estruturas do avião e do helicóptero são distintas, sendo o último mais instável. “Caso aconteça uma falha no motor, o avião vai continuar voando. Ele vai continuar planando. Enquanto o helicóptero perde a capacidade de voar”, exemplifica.
Nos últimos dez anos, o estado de São Paulo liderou o ranking, com 386 acidentes aéreos. O número é o dobro do segundo colocado, Mato Grosso, com 194 casos. Em terceiro lugar, está o Rio Grande do Sul, com 168 ocorrências.
À reportagem, os especialistas atribuíram a frota de aeronaves em São Paulo — que está em ascensão — como o único motivo para o elevado índice de acidentes. Enquanto no caso do Rio Grande do Sul, o transporte agrícola e as condições climáticas adversas foram as razões apontadas. Para Pamplona, a infraestrutura deficitária e as longas distâncias explicam os números em Mato Grosso.