O mel produzido a partir da florada do açaizeiro, uma palmeira amazônica, por abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) tem elevados níveis de compostos bioativos.
O pesquisador Daniel Santiago, da Embrapa Amazônia Oriental (PA) explica que essas substâncias são reconhecidas por ter um papel importante na promoção e manutenção da saúde humana.
Ele ressalta que a descoberta é resultado da análise e comparação de méis com origens em diferentes regiões do País e abre caminho para a valorização de um produto da sociobiodiversidade amazônica.
Mel monofloral
O especialista salienta que, para ser considerado um mel monofloral, o produto do trabalho das abelhas deve ter na sua origem a predominância de néctar da flor de uma determinada espécie vegetal. “A legislação brasileira estabelece como critério para essa classificação a presença de pólen de uma única espécie superior a 45% em uma amostra de mel” , reforça.
Segundo o pesquisador da Embrapa, essa concentração em um tipo de florada confere ao mel características únicas no sabor, aroma e cor, além de propriedades funcionais específicas.
“No caso do mel de açaí, as amostras coletadas no município de Breu Branco (PA) e Santa Maria (PA) foram analisadas e comparadas com méis monoflorais de quatro origens: mel de aroeira, de Minas Gerais; mel de cipó-uva, do Distrito Federal; mel de Timbó, do Rio Grande do Sul; e mel do mangue, do Pará”, conta Santiago.
De acordo com ele, a escolha desses méis para comparação se deveu às reconhecidas propriedades funcionais e à presença de compostos bioativos que eles possuem, em especial o mel de aroeira, um dos mais valorizados do País.
Benefícios à saúde
O professor da UFPA Nilton Muto reforça que as análises revelaram que o mel de açaí possui elevada capacidade antioxidante.
Ele sublinha que, entre as amostras, o mel monofloral da palmeira amazônica superou em quatro vezes o mel de aroeira na avaliação dessa atividade. “Isso sugere que os méis compostos predominantemente da florada do açaizeiro têm uma capacidade antioxidante mais forte, provavelmente devido a maiores concentrações de polifenóis e outros compostos bioativos”, afirma.
O especialista explica que os compostos bioativos, como os polifenóis presentes no mel de açaí, são substâncias encontradas em alimentos e, embora não sejam consideradas nutrientes essenciais (como vitaminas ou minerais), podem ter efeitos benéficos para a saúde.
Muto acentua que eles ocorrem naturalmente em pequenas quantidades em plantas e animais e podem influenciar funções biológicas e processos metabólicos no organismo. “Os polifenóis são uma classe de compostos bioativos e atuam como antioxidantes, neutralizando os radicais livres, e podem ter propriedades anti-inflamatórias, anticancerígenas e cardioprotetoras”, revela.
Concentração de compostos bioativos
O professor destaca que, de acordo com a literatura científica, a maior concentração de compostos bioativos está relacionada à coloração do mel para um tom mais escuro. “E isso se verificou na coloração das amostras de méis de açaí, que variaram de âmbar a âmbar escuro”.
Muto esclarece, no entanto, que outros fatores também podem influenciar a coloração escura do mel, como os processos de desumidificação e a maturação do produto. “No caso do mel de açaí, ele fica escuro, quase totalmente negro, o que acaba se tornando um atrativo para o produto”, avalia.
Quanto ao sabor do mel de açaí, o professor afirma que o produto foi muito bem avaliado pelos grupos de voluntários e analistas sensoriais. Ele não chega a ser tão doce quanto os demais e possui notas de café. “É um mel diferenciado. Acredito que será muito bem aceito pelo público em geral e facilmente incorporável na gastronomia”, observa.
Segundo Muto, as análises da pesquisa também confirmaram a presença de vários compostos bioativos que a literatura científica relaciona a propriedades anti-inflamatórias, antibacterianas, antimicrobianas e antitumorais no mel de açaí., a verificação dessas capacidades já é objeto de outras pesquisas em andamento.
Atividade com potencial de expansão
Impulsionados pelo crescente preço do fruto, os plantios de açaizeiro têm se expandido no Pará e os produtores têm buscado formas de incrementar a produtividade por meio da polinização dirigida. Nesse processo, as abelhas são introduzidas nos locais de plantio para que visitem as flores e realizem a polinização.
Daniel Santiago destaca que, no Pará, as abelhas que melhor desempenham o papel de polinizar o açaizeiro são as espécies nativas, conhecidas como abelhas sem ferrão.
No entanto, o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental explica que, como não existe um mercado estabelecido para oferecer colmeias de abelhas sem ferrão, a alta procura inviabilizou o acesso a muitos agricultores interessados na polinização dirigida do açaizeiro.
“Há lugares onde uma colmeia de abelha sem ferrão chega a custar 600 reais”, exemplifica.
Dessa forma, uma alternativa utilizada pelos produtores de açaí para a polinização dirigida tem sido a criação de abelhas da espécie Apis mellifera, conhecidas popularmente como africanizadas, por se tratar de um híbrido oriundo do cruzamento de raças europeias e africanas.
O especialista detalha que elas são maiores que as nativas, o que representa uma desvantagem no contato com as flores pequenas do açaí, e visitam bem mais as flores masculinas que as femininas.
Ainda assim, pontua o pesquisador, as abelhas africanizadas possuem um raio de ação maior, que pode chegar a 1.500 metros, o que favorece que sejam colocadas nas bordas dos cultivos.
Percepção positiva
De acordo com Santiago, ainda não há dados científicos sobre a efetividade da polinização dirigida com abelhas africanizadas para o cultivo do açaí, apenas a percepção positiva dos produtores.
“Os resultados da caracterização do mel do açaí impõem que devem ser aprofundados estudos para averiguar o impacto da ação das abelhas Apis mellifera nessa cultura. Ao identificar cientificamente esse impacto, a atividade ganhará mais conhecimento específico para o manejo dessas abelhas no trópico úmido”, afirma.
Em 2023, o Brasil produziu 64 mil toneladas de mel. À região amazônica, coube aproximadamente 2% desse total, dos quais o Pará figura com 1,5%.
De acordo com o pesquisador, a atividade da apicultura tem grande potencial de ampliação no Estado e hoje envolve cerca de 3 mil famílias. “Considerando que o açaí se transformou em um produto internacionalmente conhecido, é possível que os derivados relacionados à identidade dessa fruta também contribuam para aprimorar a apicultura da região”, avalia.
Pesquisa integrada
O estudo das propriedades do mel de açaí é fruto da parceria entre a Embrapa Amazônia Oriental, produtores e academia.
No Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia, ligado ao Parque de Ciência e Tecnologia Guamá e à Universidade Federal do Pará (UFPA), alunos e professores investigam as possibilidades de novos produtos a partir da biodiversidade da região, enquanto em propriedades de agricultores e na Embrapa aprendem sobre o manejo de abelhas, nativas e africanizadas, e sua relação com a polinização de cultivos. O tema foi trabalhado pelo projeto Agrobio, financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES.
“Nessa parceria, ajudamos a formar profissionais que possam desenvolver novos produtos que venham a fortalecer a apicultura e a meliponicultura da região”, afirma o pesquisador Daniel Santiago.
Sara Ferreira é mestranda em Biotecnologia e integra o grupo de pesquisa desde a sua graduação, quando iniciou o trabalho de análises do mel de açaí, sob a orientação do professor Nilton Muto.
Ela conta que, em campo, pode aprender, desde o princípio, sobre a produção do mel pelas abelhas e a importância do néctar floral nesse processo, o que a levou a ter outra visão sobre o trabalho de análise em laboratório.
Para ela, a descoberta de uma ampla variedade de compostos bioativos no mel de açaí indica um caminho para a produção de ciência com base na biodiversidade da Amazônia. “É um ponto de partida para estudarmos futuramente aplicações em novos produtos”, acredita.