Novas denúncias de assédio que envolvem o humorista Marcius Melhem vêm à tona, e uma troca de emails entre advogados e profissionais do departamento da Rede Globo mostra que o humorista deixou a emissora porque o departamento encontrou “alegações de práticas abusivas” graves. Os detalhes foram divulgados pela revista Piauí em uma reportagem liberada pela Justiça após o ator ter recorrido e impedido a publicação.
No dia 27 de novembro de 2014 o humorista Marcius Melhem, um dos criadores do programa Tá no Ar: a TV na TV, exibido pela Globo, pediu para tomar banho no flat de uma das atrizes que faziam parte das gravações da nova temporada do humorístico. Ela estava hospedada no Barra Beach, um apart-hotel localizado no Rio de Janeiro. Apesar do constrangimento, ela entendeu que não teria como negar o favor, uma vez que Melhem era seu chefe.
De acordo com uma reportagem publicada pela revista Piauí, o humorista saiu do banheiro com uma toalha na cintura e o pênis ereto. Ele imprensou a atriz contra a parede e tentou beijá-la, segundo a denúncia. Diante da resistência dela, Melhem se vestiu e voltou à suíte onde estava o elenco do programa.
Essa atriz é uma entre oito mulheres, subordinadas ao humorista, que o acusam de assédio sexual e moral. As vítimas prestaram depoimento à promotra Gabriela Mansur, coordenadora da Ouvidoria Nacional do Ministério Público. Em depoimento à Delegacia da Mulher, no Rio de Janeiro, Melhem cita rapidamente o caso ocorrido no flat, conforme a reportagem da Piauí. O humorista nega que tenha saído do banheiro envolto em uma toalha e que tenha tentado agarrar a atriz à força.
A revista Piauí teve acesso às mensagens de WhatsApp anexadas ao inquérito. Nelas, o humorista pergunta à atriz se o “constrangimento” já teria passado. E ela, por sua vez, responde que não. Depois, Melhem sugere a ela que o convide a entrar no flat mais uma vez.
O caso acompanha outras denúncias apresentadas pelas oito mulheres, que relatam fatos ocorridos entre 2010 e 2019 em diferentes lugares. Uma delas afirma que, no flat que a Globo alugava para funcionar como redação do programa de humor, Melhem recebia atrizes de “cuecas, com calças abaixadas ou sem calças”. Outra denúncia diz que o ator apontava o banheiro e dizia: “Vamos?”. Uma vítima diz que foi boicotada após ter resistido ao assédio.
Em depoimento, Melhem nega as acusações e garante que sempre respeitou as mulheres com as quais trabalhou e que nunca usou seu poder e influência em troca de sexo ou ainda que nunca boicotou a carreira artística de ninguém.
Em relação ao relato de assédio à humorista Dani Calabresa, o humorista afirma que “não houve nada à força, foi tudo consensual de ambas as partes”. Segundo a revista Piauí, Melhem afirma que, entre as oito vítimas que o denunciaram, ele teria tido “relacionamento por mais de um ano” com uma delas e “relacionamento por uma noite” com três. Em outros dois casos, Melhem atribuiu as acusações a vingança e ao objetivo de destruir sua reputação. Segundo seu depoimento, as mensagens de conotação sexual eram chamadas de “brincadeiras”.
A defesa de Melhem alega ainda que, após a investigação do Departamento de Compliance da Globo, ele teria deixado a emissora em “comum acordo”. Segundo seu depoimento, seu contrato não teria sido renovado devido à crise. Em março de 2020, a emissora divulgou um comunicado à imprensa em que dizia que “por motivos pessoais Melhem deixou a liderança dos projetos de humor”.
Uma troca de emails à qual a revista Piauí teve acesso mostra que no dia 6 de janeiro de 2020 a chefe do DAA (Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico), Mônica Albuquerque, diz a Helcio Alves Coelho, advogado da Globo e membro do Departamento de Compliance da emissora, que Melhem estava disponível para encontrar Calabresa e reconstruir a relação.
Em um segundo email, porém, a chefe do departamento sugere que a Comissão de Ética e Conduta da Globo seja acionada e diz que Calabresa está disposta a formalizar uma queixa contra Melhem no Compliance.
Um terceiro documento acessado pela publicação mostra que o chefe do Departamento de Compliance da emissora determina a demissão imediata do humorista: “Com base na apuração realizada, a Comissão de Ética e a gestão da empresa decidiram pela rescisão imediata do contrato do executivo, perdendo desta forma o seu cargo de gestão, e pela suspensão por quatro meses dos seus contratos de ator e roteirista”.
Uma carta enviada à Delegacia de Atendimento à Mulher com data de 31 de janeiro, assinada por Ana Carolina Bueno Junqueira Reis, diretora de Compliance da emissora, informa que, “tendo em vista as alegações de práticas abusivas por parte do sr. Marcius Melhem”, a Comissão de Ética decidiu recomendar “a perda do cargo de gestão, com efeitos imediatos”, e o “afastamento completo do profissional por um período de 180 dias”.
Em julho do ano passado, a juíza Tula Corrêa de Mello, da 20ª Vara Criminal do Rio, atendeu aos pedidos para proibir Melhem de visitar os Estúdios Globo e o núcleo de redação dos humorísticos e de fazer contato com as mulheres que o denunciaram. Mas Melhem desobedeu às medidas cautelares e ligou para Dani Calabresa. Cerca de dez testemunhas depuseram contra ele.